Ele tinha nascido e não era mais do que um pedaço do céu. Como uma boa mãe que se preze tratou das providências de urgência, foi ao porão ainda cheia das dores de parir e do orgulho de filho pronto, feito, sem nenhum dedo, ou orelha, ou braço faltando (como ela era boa naquilo), e buscou no meio das coisas empoeiradas de porão uma caixa. Lixou bem a madeira pra que nenhuma farpa de perigo restasse, limpou, e forrou com jornal. Então pôs o bebê lá dentro, o único depois de tanto tempo de espera. Se pudesse mesmo botava na barriga outra vez, pensou.
Daí que o tempo passa, né?! E passou. O menino era bem gordinho a princípio, visto que não se podia crescer pra cima, então ele tratava de crescer pros lados e em profundidade que era por onde dava. Uma vez me falaram das árvores e funcionou na minha cabeça como uma dessas descobertas que não se esquece, foi dito assim: " As árvores crescem pra cima" e desde então eu sei meio significado da vida, o menino da caixa deve saber do resto.
Daí que o tempo passa, né?! E o menino virou homem, ou algo que lembrasse um homem, sabe aquelas dores de amor que a gente vai engolindo, e engolindo ao longo da vida e vai abarrotando a garganta?! O homem era assim. Ele nunca amara ninguém além da mãe porque também não havia nunca visto outro alguém que não a mãe, às vezes aparecia algum tipo de inseto no armário, que era onde a mãezinha o guardava, e ele podia conversar, mas nunca amara nenhuma dessas criaturas, ele as catava quando passavam por cima da caixa, e enfiava o bicho em um dos cantos do próprio corpo, exprimia até que a barata ou aranha não pudesse mais se mexer dali, e ali ficava, numa das dobras do seu corpo embolotado, foi assim que ele aprendeu a brincar, quem vai dizer que estava errado?
Ás vezes, mas só ás vezes, ele odiava aquela mulherzinha pequena, agora então, já velha e meio suja que sempre lhe cuidou, não sabia por quê mas a odiava. Depois passava porque sempre que aparecia uma coceira aonde ele não alcançava ela estava lá pra coçar com aquelas unhas grandes e dedos compridos, muito diferente dele, era bom a beça, aí ele ficava feliz e amava ela de novo.
Daí que o tempo passa, né?! Um dia a velha mãe sentiu-se mau e resolveu dormir mais cinco minutos antes de se levantar e acordar o "menino", dormiu e não acordou. Quando já era de noite a vizinhança começou a se incomodar com o cheiro, se viva ela já não cheirava tão bem. Foi que dali pra mais tarde apareceu polícia, alguns parentes afastados, funerária e coisa e tal, não teve velório, ela não tinha gente conhecida o suficiente disposta a ficar pra um velório. Os parentes que não a conheciam senão por nome dividiram algumas coisas de valor na casa, depois trancaram tudo e puseram uma placa de Vende-se na porta, alguns meses mais tarde apareceu alguém pra limpar o lugar, mas eu não sei dizer se algum dia o armário voltou a ser aberto.
As crianças lá da rua que até hoje falam em casa assombrada, jogam pedra e correm, rindo.
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