sábado, 31 de outubro de 2009

Texto baseado no relato de Eduarda.

Era uma avó do tipo sanguinária. Uma velha dessas que já devia ter gasto pela vida inteira tudo o que havia de bom em seu espírito. Lembro que quando ela se aproximava, eu já sentia um misto de angústia e medo. Não era respeito: era medo! Eu olhava para cima, e tinha vontade de puxar os bicos de seus peitos para baixo, e me pendurar, até fazê-la gritar!

Uma velha inteiramente dedicada ao suado trabalho de destruir sonhos. Arrancava-os, com as próprias mãos, não importando a quantidade de sangue derramado.

Eu tinha quatro anos. Estava com meus primos, brincando no quintal. Muita areia, resto de barro, algumas mangas caídas, algumas folhas secas, árvores e galinhas, fazendo a festa, com muita sujeira, numa manhã feliz. Eu gostava de correr atrás das galinhas. Era como se elas estivessem brincando, junto comigo. Naquela altura da vida, eu ainda não fazia idéia de que elas corriam para fugir da morte.

Tínhamos um novo amigo: Frederico, o "tartarugo". Ele era mais na dele, meio tímido, parecia um tanto mal-humorado, até. Não entrava muito nas nossas brincadeiras. Mas era tão raro ter um bicho daqueles, tão diferentão, que não tinha como não nutrir por ele um sentimento especial. Nos divertíamos tocando em sua testa, para fazê-lo se esconder dentro do casco. Era a única brincadeira que sabia. Deixamos ele dentro de casa, descansando, enquanto fomos brincar no quintal.

A algazarra toda se interrompeu quando vimos entrar na casa, um homem estranho. Era todo grandão, e tinha a maior cara de mau. Fizemos silêncio, largamos as brincadeiras e fomos espiar pelos vidrinhos que tinham na parede da casa. Haviam duas bacias no chão. A velha as encheu de água. Frederico estava com eles, sem ter para onde nem como escapar. Antes que pudesse fugir para dentro de si mesmo, a faca atravessou seu pescoço. Numa fração de segundos, a janela que estava diante de mim foi tomada por uma mancha vermelha, escura e nojenta. Era como se eu presenciasse a morte de um amigo.

A cabeça foi para uma bacia d'água, e o corpo, para outra. E, com a lardeza de uma tartaruga, assim como uma ferida, que mesmo para uma criança, demora - sim! - para cicatrizar; a morte de Frederico foi terrivelmente lenta. Durante horas, o corpo, jorrando sangue, tentava sobreviver. As patas se movimentavam contra a água. Lentamente. Pausadamente. Durante horas.

No início da tarde, o almoço foi servido. Eu, e as outras crianças, ficamos de luto, e nos recusamos a beber do nosso próprio sangue.

Hoje, eu tenho vinte e um anos, e acho que a vida já gastou boa parte do que havia de bom em mim.

Texto como condutor de cena

É sabido que quando a gente é pequeno o nosso corpo é composto por cabeça, tronco, membros e toda e qualquer possibilidade. Bem, tudo o que eu sei é que eu era feita de cabeça, tronco, membros, e o dedo mindinho do pé direito.

Na canoa cabiam: eu, meu irmão, e a Andreneide; o que já é muito levando em consideração que o resto da cidade podia abrigar além de nós cerca de mais uns 7 moradores (meu pai, minha mãe, nossos três cachorros, e outras duas familias que não se conheciam). Depois do passeio no rio do quintal da minha casa, meu irmão tomara ares de responsabilidade que se deve esperar de um garoto de dez anos e pediu que nós, donzelas, permanecêssemos na canoa enquanto ele tratava das formalidades em aportar, Andreneide acostumada a ser babá e não donzela rapidamente saltou de lá para a ponte como apenas uma Andreneide poderia fazer. Pensei cá com meus botões ( e entenda isto como uma metáfora pois eu falo de um tempo em que ainda não existiam botões em mim, eu andava de calcinha na fazenda):

_ Eles vão me deixar na canoa e correr.

Muito esperta que era tratei de pôr o pé na borda da canoa enquanto ela se aproximava da ponte, pois bem, terminei de escalar toda a madeira que envolvia o processo e sai andando vitoriosa como uma dessas coisas que cresce. Quando olhei pra trás vi meu irmão terminando de amarrar nossa recente aventura no trapiche e vi Andreneide, distraída, com a cara que ela sabia fazer de melhor que era de Nada, vi também, uma mancha de sangue no chão que vinha da distancia da canoa até o meu pé, junto com ela chegou no pé um grito e uma dor que eu só fui entender direito o que era anos depois, era a falta.


_ Meu péééééééééééééééé!

A canoa e a ponte haviam arrancado um pedaço do meu dedo mindinho do pé direito! Elas comeram meu dedinho! E dentre as partes constituintes de uma criança um dedo mindinho é um pedaço bem maior dela quando adulta, é um saco de planos, como se o corpo fosse um recipiente hermético que quando perde a tampa, dedo mindinho do pé direito, ele vaza, escorre, vaporiza, voa, helicóptero.

Assim aos quatro anos de idade eu já sabia: EU NUNCA VOU SER BAILARINA!!!!!!!!

Meu irmão me carregou pelos hectares que separavam o rio da casa enquanto uma série de futuros me escorria e pingava na grama e na bosta da minha cidadinha.

Hoje afinal, o que é um pedaço de dedo mindinho do pé direito pra quem cresceu? Não sei não...

Mas eu não sei dançar.


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Primeiro indutor dramatúrgico: infância, sonho e helicóptero

(Cena a ser feita por um ator com antenas na cabeça. Podem ser antenas de inseto, de televisão, de chapolin, etc.)

Eu acredito em seres encantados que nos visitam enquanto dormimos. Eu sei, e posso provar. São de três tipos: os duendes, as fadas, e os helicópteros. Eles são muito pequeninos, e estão em todos os lugares, disfarçados de carapanãs. Sim! Esses danados! Mas agora já os descobri: São ladrões de lembranças. É, te juro! Quando caímos no sono, eles se aproximam, e, depois de se certificarem de que não estamos fingindo e que estamos realmente dormindo, começam a pôr seus planos em ação. Tiram suas fantasias de carapanã com um ziper secreto que têm na barriga, e se preparam para começar o trabalho.

Cada um desses seres encantados tem preferência por um tipo de pessoa: Quando tudo já está preparado para o bote, eles se organizam em linhas de ação: os duendes seguem por via terrestre, e escalam os indivíduos até penetrar por seus ouvidos. As fadas, aladas, têm uma preferência maior pelas narinas. Já os helicópteros se restringem apenas àqueles que dormem de boca aberta, invadindo garganta adentro.

Eu sou do tipo que dorme de boca aberta. ¬¬

Durante toda a minha vida, fui surpreendido por momentos em que o sono parece roubar, violentamente, das minhas mãos, e da minha mente, descobertas íntimas sobre a minha própria existência. Muitas vezes me senti traído, violado, como se alguém tivesse aberto a minha cabeça durante o sono e tivesse me roubado alguma lembrança preciosa. Hoje eu sei! São eles! Os helicópteros! Os desgraçados entraram na minha cabeça, e tiraram do meu cérebro as lembranças!

Tá olhando o que? Eu tenho provas, tá? As minhas suspeitas começaram há mais ou menos quinze anos atrás. Foi em um sonho...

Eu era criança, e no pátio de casa, minha cadela Punky ainda lembrava uma pulguinha saltitante e feliz. Era uma manhã comum de sábado, e surgiu, na frente da minha casa, um senhor feliz, com um carrinho, desses de carregar cimento, com uma televisão vermelha em cima. Eu abri o portão, subi no carrinho, e fiquei assistindo a televisão vermelha, enquanto o senhor levava o carrinho, com eu e a tv dentro, pra passear.

Isso era uma coisa tão comum... eu já via aquela TV vermelha, e aquele senhor há muito, muuuuito tempo. E passear vendo TV num carrinho de cimento pelas ruas do conjunto onde morava era super normal! De repente, percebi que estava prestes a voar! Mas aí, bum! Quando vi, estava acordando de mais um sonho. Hunf! Desgraçados! Senti a vida se virando violentamente contra mim, e me virando de cabeça pra baixo, sacudindo até fazer essa lembrança cair, como uma moeda. De repente, o destino vira pra mim e me diz: "sabe aquela televisão, aquilo que é tão comum e verdadeiro pra ti, e pra tua vida? Pois é: foi só um produto da tua imaginação fértil! Um sonho besta, que durou alguns minutinhos bestas, que nunca vão voltar. NUNCA! Ouviu bem?"

Durante quinze anos, eu carreguei comigo essa neura. Eu sempre tive a certeza de que a televisão vermelha existe, e que o velhinho do carro de cimento está levando crianças por aí pra passear, até hoje. Mas foi na noite de ontem, que eu tive a grande descoberta!

Na noite de ontem, eu tive um sonho. Sonhei que estava, novamente, no pátio da minha casa, numa manhã comum de sábado. Só que agora eu já tinha barba, e a minha cadela já carregava um caranguejo preto embaixo do rabo. Era estranho, porque o sol brilhava, mas havia um silêncio profundo e pleno. Ouvi o som de Beatles, tocando, bem longe. Era She Loves You. Curioso, abri o portão, e resolvi seguir esse som. Quando pus os pés na rua, vi, bem de longe, uma silhueta inconfundível. Era ele! O velho com o carrinho de cimento com a televisão vermelha em cima! E, cara, tava passando Beatles! Imediatamente, corri, com todas as forças que tinha. Simplesmente corri, e o silêncio cedeu lugar para a batida da música da TV em compasso com meus passos nervosos e minha respiração ofegante. O meu corpo atravessou o vento numa velocidade incrível, em busca da minha verdade, que eu sempre soube que ninguém poderia me tirar. O som do vento, da minha respiração, da TV e de uma vida inteira se passando entre um ouvido e outro cresceu tanto a ponto de se tornar um barulho ensurdecedor. O vento ficou cada vez mais forte, e, quando percebi, por trás do muro apareceu ele: o Helicóptero! Era gigantesco. Um foco de luz se acendeu sobre o velho com o carrinho. Imediatamente, um enxame de carapanãs surgiu de dentro dos esgotos, até formarem uma imensa nuvem preta, e eram tantas, que levantaram o carrinho com o velho e a TV dentro. Sumiram por trás das nuvens, num piscar de olhos.

Percebi, então, que os malditos deixaram cair algo fundamental: A antena. De repente, o céu começou a entrar em interferência, como uma TV mal sintonizada. Percebi: Eu estava prestes a acordar. Sem pensar duas vezes, me atirei no chão empoeirado, e me agarrei, com todas as forças, naquela antena.

(A partir daqui, ator vai colocando pedaços de palha de aço nas pontas das antenas)

Quando acordei, levantei de sobressalto, e fui me olhar no espelho. Foi quando eu tive plena certeza. É isso. Isso mesmo. Agora tudo faz sentido.

Primeiro Encontro - Notas do bloquinho

1ª Reunião

> Questionário Giovana.
> 1º indutor dramatúrgico - Texto, haroldo, sonho, tv.
> Lembrança minhoca - Sonho muppets
> Texto Caio Fernando de Abreu
> Visões / Crise criança     x   Visões / Crise adulto
>  Power Ranger
> Conspiração
> Jogar com os medos
> Universo Haroldo (imaginação)
> Tartaruga / barata sem cabeça

> Próxima reunião:
. Trazer texto barbie e dedo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Primeiro indutor conceitual

Helicóptero: Termo originado do grego "asa em parafuso". Definição dada à aeronave que produz suas reações aerodinâmicas (tração e sustentação) por meio de uma asa rotativa denominada rotor.