quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Cena: Medos

Ator canta, melancólico:

Tinky Winky
Dipsy
Lala
Po
Teletubbies...
Teletubbies...

Atriz - Eu tenho medo.

Ator - Eu tenho medo da infância.

Atriz - Eu tinha medo do escuro.

Ator - Bicho papão, alienígenas, demônios?

Atriz - Eu tinha medo de um anjo...

Ator - Eu tinha medo da musiquinha dos teletubbies.

Atriz canta:

Se essa rua
Se essa rua fosse minha
Eu mandava
Eu mandava ladrilhar...

Ator- Eu fui uma criança bem gorda. Sempre tive os quadris muito largos, e isso conferia a mim uma forma diferente de andar. Uma forma que os outros começaram a achar engraçada. Logo criaram um link: Tinky Winky.

Atriz canta:
Com pedrinhas
Com pedrinhas de brilhantes...

Ator - Eu tinha medo.

Atriz canta:
Para o meu
Para o meu amor passar

Ator - Eu tinha muito medo. Muito medo do inevitável momento em que iria chegar, de manhã cedo, no colégio. Sabia que, aos poucos, as pessoas sorririam, cochichariam umas com as outras, e começariam a cantar a musiquinha, enquanto eu atravessava a rua. Se corresse, seria pior, e muito mais divertido pra eles. Então continuava andando lentamente, do meu jeito.

Atriz canta:
Nessa rua
Nessa rua tem um poste...

Ator - Poste?

Atriz canta:
Que se chama
Que se chama solidão
Dentro dele
Dentro dele mora um anjo
Que roubou
Que roubou meu coração

Atriz e Ator - Esse era um dos meus maiores medos da infância.

Ator - Quando criança, duas vezes por semana havia uma ameaça que me assombrava: a aula de educação física. Haviam os anos em que, logo em janeiro, eu ia ao médico e conseguia um atestado, alegando um problema besta de coluna, que me salvaria, por 365 dias, de viver aqueles momentos. Mas haviam as ocasiões que eu não conseguia.

(Atriz toca tema dos teletubbies com a gaita)

Ator - Certa vez, o professor ordenou que fossem formados dois times, para uma partida de futebol. Dois líderes foram tirados para escolherem, um a um, quem iria jogar em cada lado. Foram escolhendo, um por um, até que sobramos apenas eu, e mais um garoto. Então, um dos líderes chamou o outro garoto. Em seguida o outro virou pra ele, indignado, e brincou:

Atriz 2- PORRA, TU DEIXOU O DEFEITUOSO PRA MIM!

Ator e atriz cantam, ao mesmo tempo:
(Tinky Winky...) Nessa rua, nessa rua tem um poste
(Dipsy...) Que se chama, que se chama solidão
(Lala...) Dentro dele, dentro dele mora um anjo
(Po...) Que roubou, que roubou meu coração

(Ator continua a canção dos teletubbies em vocalize. Aos poucos, Os três atores vão formando a imagem de uma foto de família, na qual Ator é o irmão, Atriz 2 é a mãe, e Atriz é a filha)

Atriz - Esse era um dos meus maiores medos da infância. Durante muito tempo, quando criança, eu achava que tinha um anjo que morava dentro de um poste. Imaginava, numa rua escura, um poste com um buraco e que lá dentro tinha um rosto que me olhava. Às vezes o rosto era do Gonzo, dos Muppets. Era uma das coisas mais assustadoras da minha infância.

(Ator e Atriz 2 fazem vocalize do "Se essa rua")

Atriz - Essa imagem se repetia em um sonho recorrente: Eu, minha mãe e meu irmão no zoológico, um lugar escuro e úmido como aquela rua da música. Em algum momento eu via um muro que era a cela de algum animal, e nela tinha um buraco aonde eu enfiava a mão, eu nunca via o que tinha lá, mas eu sabia que era aquele rosto do poste, talvez o Gonzo.

(Alguém apaga o interruptor de luz, fica escuro, e a música pára)

Atriz - Eu acordava chorando, não lembro porque.

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