sábado, 31 de outubro de 2009

Texto como condutor de cena

É sabido que quando a gente é pequeno o nosso corpo é composto por cabeça, tronco, membros e toda e qualquer possibilidade. Bem, tudo o que eu sei é que eu era feita de cabeça, tronco, membros, e o dedo mindinho do pé direito.

Na canoa cabiam: eu, meu irmão, e a Andreneide; o que já é muito levando em consideração que o resto da cidade podia abrigar além de nós cerca de mais uns 7 moradores (meu pai, minha mãe, nossos três cachorros, e outras duas familias que não se conheciam). Depois do passeio no rio do quintal da minha casa, meu irmão tomara ares de responsabilidade que se deve esperar de um garoto de dez anos e pediu que nós, donzelas, permanecêssemos na canoa enquanto ele tratava das formalidades em aportar, Andreneide acostumada a ser babá e não donzela rapidamente saltou de lá para a ponte como apenas uma Andreneide poderia fazer. Pensei cá com meus botões ( e entenda isto como uma metáfora pois eu falo de um tempo em que ainda não existiam botões em mim, eu andava de calcinha na fazenda):

_ Eles vão me deixar na canoa e correr.

Muito esperta que era tratei de pôr o pé na borda da canoa enquanto ela se aproximava da ponte, pois bem, terminei de escalar toda a madeira que envolvia o processo e sai andando vitoriosa como uma dessas coisas que cresce. Quando olhei pra trás vi meu irmão terminando de amarrar nossa recente aventura no trapiche e vi Andreneide, distraída, com a cara que ela sabia fazer de melhor que era de Nada, vi também, uma mancha de sangue no chão que vinha da distancia da canoa até o meu pé, junto com ela chegou no pé um grito e uma dor que eu só fui entender direito o que era anos depois, era a falta.


_ Meu péééééééééééééééé!

A canoa e a ponte haviam arrancado um pedaço do meu dedo mindinho do pé direito! Elas comeram meu dedinho! E dentre as partes constituintes de uma criança um dedo mindinho é um pedaço bem maior dela quando adulta, é um saco de planos, como se o corpo fosse um recipiente hermético que quando perde a tampa, dedo mindinho do pé direito, ele vaza, escorre, vaporiza, voa, helicóptero.

Assim aos quatro anos de idade eu já sabia: EU NUNCA VOU SER BAILARINA!!!!!!!!

Meu irmão me carregou pelos hectares que separavam o rio da casa enquanto uma série de futuros me escorria e pingava na grama e na bosta da minha cidadinha.

Hoje afinal, o que é um pedaço de dedo mindinho do pé direito pra quem cresceu? Não sei não...

Mas eu não sei dançar.


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